Uma folha em branco
A folha está em branco. Branco é o vazio. É onde eu queria estar. O vazio dela emana ondas invisíveis, mas não insensíveis. Uma vez que você está preparado para senti-las, é impressionante ver o quão forte elas são. Talvez seja algo comparável somente às ondas gravitacionais. Ou digo, à curvatura causada no tecido do espaço-tempo. No fim, creio que o melhor é não estar preparado para senti-las.
Quando a folha tornou-se vazia? Calma, mas ela já não vem vazia de fábrica? São duas situações iguais, não interessa o precedente. Se desse para ser branco e vazio como a folha novamente, você apertaria o botão? O quanto a ignorância da cor é realmente a bênção que precisamos? Responda nas suas ondas cerebrais.
Pouco a pouco, nos esforçamos para preencher cada espaço dessas folhas com algo. Podem ser palavras, rascunhos, ideias que serão sugadas nesse tecido e nunca respirarão o ar do universo que existe fora ou riscos aleatórios de grafite. Por que os átomos do grafite não são sugados e ficam ali na superfície? Acho que eu nunca vou entender.
Sem saber o que fazer, você gira a folha na mesa, levanta as bordas, solta, translada-a pela mesa. Bem que poderia rasgá-la e queimar o resto dos pedaços, deixando as cinzas prontas para escurecer uma outra superfície. O preto iria trazer o vazio para outro lugar. Cores diferentes, a mesma merda de sentimento.
Há quanto tempo você está nisso? Enrolando e só esperando a conclusão do tempo que não se conclui. Observando entidades metafísicas enquanto o corpo permanece inerte em uma realidade muitas vezes não tão agradável somente para voltar a visão para somente as coisas físicas e perceber que nada mudou. Ainda há muito caminho da linha pela frente e nada mudou: as imperfeições da linha continuam ali marcadas, sua situação inerte, o silêncio entalado na garganta. A folha vai sendo preenchida, porém continua branca, vazia, pronta para ser queimada e transformada no mesmo vazio, mas negro devido a um acesso de fúria injustificado. Injustificado como todo o resto.
Deixe-me livre! Faça com que não me puxe. Espalhe outras cores. Foda-se se eu sempre odiei artes abstratas. O que é possível enxergar no meio daquele caos aleatório? Com certeza não um desejo sentido, um plano estruturado do que deveria preencher o vazio e como deveria fazê-lo. Para coroar, ditos especialistas fazem uma fila para dizer uma lista de significados para aquilo que, na minha opinião, nenhum artista realmente sentiu. Provavelmente, eles não pensaram e nada. Pode ser como eu tentando preencher a maldita folha.
Posso dizer que eu tentei. Só não consigo dizer o que saiu. Não faço ideia. Talvez eu acabe rasgando a folha mesmo e volte a fazer o que eu deveria estar fazendo. E o que seria isso? Não sei. É hora de colocar o câmbio no D e deixar que o carro siga.